quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Até onde vai o nosso papel?

Não sei precisar em que momento é que as pessoas começaram a procurar-me para me pedirem conselhos, para desabafarem, ou simplesmente para deitar um pouco de conversa fiada.

Nas minhas funções também faço atendimento ao "meu" público, maioritariamente jovens. Aparecem-me com os mais variados problemas, dúvidas, incertezas, por vezes verdadeiras confusões naquelas cabecinhas lindas. Não sei se é este meu lado maternal que os atrai, se é esta minha vontade de os abraçar e dar um beijo, na premissa de que "um beijinho cura tudo", mesmo sabendo que não é bem assim - e obviamente que não desato aos abraços e beijos sob pena de me julgarem chalupa da cabeça.

Esta última semana têm sido dias de verdadeiras revelações, algumas delas graves. Ontem veio uma jovem de 24 anos falar comigo por causa de um problema que está a afectar a sua vida, o seu desempenho, as suas relações pessoais e sociais. Enfim, um caso que mexeu muito comigo. Fui todo o caminho de regresso a casa a pensar nesta miúda. E o caminho é loooonnngoooo! Às tantas dei por mim a questionar o nosso papel enquanto seres humanos. Comecei a juntar pontas e cheguei à conclusão de que esta jovem já tinha dado sinais de que algo não estava bem. E pus em causa o meu papel enquanto profissional: eu não deveria ter percebido? Não estarei a ser egoísta ao não conhecer individualmente cada uma daquelas pessoas que fazem parte do meio onde trabalho? Estarei a tratar cada uma delas apenas como um número? Fiquei deveras confusa e perturbada.

Mas tenho que pensar racionalmente. O meu papel profissional é meramente administrativo e nesse campo tenho-o desempenhado bem. Estou ali para prestar apoio administrativo naquela área. As pessoas procuram-me porque provavelmente sentem confiança em confidenciar-me os seus problemas, ou porque desperto nelas empatia para tal. Porque na realidade eu não tenho qualquer formação para lidar com problemas do foro psicológico, a minha formação está muuuiiiito longe disso. Tem uma pequena vertente de relação públicas, mas óbvio que isso não tem nada a ver! O que eu tenho é experiência de vida, empatia, bom-senso, educação, humildade e preocupo-me sempre em ajudar os outros. Gostava de ter o dom de entrar nas pessoas e sentir o que elas sentem, ouvir os seus pensamentos. Mas não tenho, e a não ser que me procurem para falarem sobre aquilo que as incomoda, eu não adivinho o que se passa nas suas vidas. A jovem em questão procurou-me agora, passou quase um ano desde a última vez que a vi. Tentei encaminhá-la para alguém que a podia ajudar, até porque a Instituição onde trabalho tem um gabinete de apoio psicológico, mas ela não quis. Não confia nas pessoas. Fiquei de ver o que posso fazer para a ajudar.

Mas admito que não tenho estofo para certas situações. Nos últimos dias ouvi histórias que me perturbaram. E o pior de tudo é eu regressar a casa e levar comigo estes sentimentos, estas preocupações. Não posso deixar que estas situações se misturem com a minha vida privada, que roubem tempo à minha família e ao meu tempo, sob pena de um dia vir a ser eu a precisar de terapia.

Como disse no início, não sei em que momento isto começou. Mas os "meus" jovens passaram de vir resolver problemas meramente administrativos para me trazerem todas as suas fragilidades. E embora eu goste muito deles, não sou a pessoa mais indicada para os ajudar nalgumas áreas. Tenho até medo de nalgumas situações dizer algo que possa perturbar ainda mais a pessoa. E tenho também muito medo de estas situações me começarem a perturbar a mim, ao ponto de entrar num ciclo depressivo.

Ontem valeu-me a ida ao ginásio. Enquanto estou a treinar não penso em mais nada. Mas hoje ainda não me consegui concentrar em mais nada a não ser neste caso e apesar de ter falado com a minha chefe e de a ter sensibilizado para algumas questões, isto não me sai da cabeça.

2 comentários:

Suricate disse...

Papel complicado o teu...

Maria Escrita disse...

Não deveria ser. Não é esse o meu papel, mas vá-se lá saber porquê estas questões caem-me em cima. E eu não sou capaz de virar costas.